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PRAÇA JÚLIO PRESTES, Nº 16
01218 020 | SÃO PAULO - SP
+55 11 3367 9500
SEG A SEX – DAS 9h ÀS 18h
06
jun 2018
quarta-feira 20h30 Recitais Osesp
Recitais Osesp: Steven Osborne


Steven Osborne piano


Programação
Sujeita a
Alterações
Claude DEBUSSY
Estampes
Sergei PROKOFIEV
Sonata nº 7 em Si Bemol Maior, Op.83
Claude DEBUSSY
Images: Livro 2
Sergei PROKOFIEV
Sonata nº 8 em Si Bemol Maior, Op.84
INGRESSOS
  Entre R$ 50,00 e R$ 122,00
  QUARTA-FEIRA 06/JUN/2018 20h30
Sala São Paulo
São Paulo-SP - Brasil
Notas de Programa

 

CLAUDE DEBUSSY [1862-1918]

Estampes [1903]

PAGODES
A NOITE EM GRANADA

JARDINS SOB A CHUVA

15 MIN


SERGEI PROKOFIEV [1891-1953]
Sonata nº 7 em Si Bemol Maior, Op.83 - Stalingrado [1939-42]

ALLEGRO INQUIETO
ANDANTE CALOROSO
PRECIPITATO

18 MIN


/INTERVALO


CLAUDE DEBUSSY [1862-1918]

Images: Livro 2 [1907]

SINOS ATRAVÉS DAS FOLHAS
E A LUA DESCE SOBRE O TEMPLO QUE JÁ NÃO EXISTE

PEIXES DOURADOS

13 MIN


SERGEI PROKOFIEV [1891-1953]

Sonata nº 8 em Si Bemol Maior, Op.84 [1939-44] 

ANDANTE DOLCE
ANDANTE SOGNANDO
VIVACE

29 MIN

 

 

Debussy e Prokofiev foram ambos pianistas, mas priorizaram o ofício de compositor – o segundo seguiu carreira como intérprete, o que o ajudou a divulgar suas obras, mas depois passou a dedicar-se integralmente à criação. Embora muito distintas, suas obras traçam interessantes paralelos.

 

A música para piano de Debussy da virada do século XX é repleta de referências russas, especialmente em relação ao conteúdo harmônico. O compositor atribuía o início dessa influência à primeira viagem que realizou à Rússia, como músico particular da Mme. Nadezhda von Meck – a mesma protetora de Tchaikovsky – no verão de 1881. Mas, já antes, a música de Mussorgsky circulara em Paris na Exposição Universal em 1878, e partituras da nova música russa haviam sido doadas pela Rússia à biblioteca do Conservatório de Paris, onde Debussy estudava. Em 1893, Debussy declararia: “Chabrier, Mussorgsky, Palestrina, voilà ce que j’aime”. (1)

 

A Exposição Universal trouxe a Paris em 1889 outra novidade que impressionou o compositor: uma orquestra de gamelões (2) javaneses, cujas sonoridades exóticas ele passou a utilizar para remeter a um orientalismo imaginário – que sugestivamente também ambienta obras inspiradas em uma Espanha mourisca que ele pouco conheceu (3).

 

Some-se a isso a influência da poesia simbolista, com sua descrição imagética e sensorial da realidade – em 1911, Debussy diria: “Tudo que um ouvido apurado percebe no ritmo do mundo circundante pode ser representado musicalmente.” (4)

 

Estampes e Images mesclam todas essas referências. Devendo a coleção Images a seu editor, em 1903 Debussy enviou-lhe Estampes. O segundo caderno de Images seria concluído apenas em 1907, quando Debussy já iniciara La Mer e relacionava-se com Emma Bardac, que se tornaria sua segunda esposa.

 

“Pagodes” (que remete à arquitetura de templos orientais) e “La Soirée dans Grenade” (Noite em Granada) podem ser vistas como respostas amigáveis de Debussy – então um compositor reconhecido, na faixa dos 40 anos – às peças Jeux de L’eau e Habanera do jovem Ravel. "Jardins sur la pluie" (Jardins na chuva) é inspirada em uma melodia infantil, que podemos imaginar entoada à janela – corre também a história de Debussy recusando-se a sair da chuva ao compor essa peça.

 

Em "Cloche à travers les Feulles" (Sino através das Folhas), Debussy convida-nos a ouvir uma polifonia delicada desenhada pelo soar longínquo do sino e o farfalhar próximo das folhas. A origem do título “Et la Lune descend sur le Temple qui fût” (algo como “E a Lua descende sobre o Templo que já não há”) é tão misteriosa quanto a música – talvez tenha sido uma sugestão de Louis Laloy, musicólogo orientalista amigo de Debussy. “Poissons d’Or” (Peixes de Ouro) sugere peixes ornamentais, talvez retratados em uma pintura japonesa.

 

Debussy faleceu em 1918, o mesmo ano em que o jovem Prokofiev deixou a Rússia, logo após a Revolução, para conquistar carreira internacional. Seu talento e obstinação o haviam impulsionado a vencer o provincianismo inicial de sua formação, na cidade de Sontovka, atual Ucrânia: o aluno com técnica pianística irregular e que usava harmonias simples graduou-se no Conservatório de São Petersburgo vencendo o concurso de piano e sendo aclamado como compositor.

 

Em 1938, depois de viver 22 anos entre os EUA e Paris, Prokofiev tomou a decisão, incompreensível para seus colegas, de retornar à União Soviética – pouco antes dos piores anos de censura e perseguição aos dissidentes. Muito se tem elocubrado sobre seus motivos – e a resposta dada por pesquisas recentes é trágica: uma carta governamental (5) prometia a Prokofiev autonomia para manter suas turnês internacionais. Assim, ele apenas trocaria sua sede em Paris, onde seu prestígio como compositor russo era ofuscado por Stravinsky, por Moscou. A promessa, contudo, não se cumpriu, e Prokofiev foi tendo sua liberdade de viajar e criar cada vez mais cerceada pelo governo, que ele tentou sem sucesso agradar em várias peças patrióticas – ironicamente, ele faleceu no mesmo dia que Stalin, em 1953.

 

Das nove sonatas que Prokofiev escreveu (mais uma décima incompleta), as nos 6, 7 e 8 são as mais importantes, sendo conhecidas como Sonatas de Guerra. O compositor iniciou as três em 1939, finalizando a nº 6 em 1940 pouco antes da entrada da Rússia no conflito (em 1941), a nº 7 durante a guerra, em 1942, e a nº 8 quando seu desfecho se delineava, em 1944.

 

O pianista Sviatoslav Richter, que estreou a Sonata nº 7, assim a descreveu: “Com essa obra somos brutalmente engolfados pela atmosfera ansiosamente ameaçadora de um mundo que perdera seu equilíbrio. Caos e incerteza imperam. Vemos forças assassinas adiante. Mas isso não significa que o que vivemos anteriormente deixa de existir. Continuamos a sentir e a amar. Irrompem agora todas as gradações das emoções humanas” (6).  Se a instabilidade enérgica do primeiro movimento, Allegro Inquieto, e a assimetria rítmica do terceiro, Precipitato, evocam as tensões do conflito, a pungência do segundo, Andande Caloroso, traz à tona a consternação do drama coletivo.

 

A Sonata nº 8 é dedicada à segunda esposa de Prokofiev, Mira Mendelson – fato que, somado à visão em retrospectiva da tragédia da guerra, pode explicar o lirismo e introspecção do primeiro movimento, Andante Dolce. O segundo movimento, Andante Sognando, oferece temporário alívio, e o caráter decisivo e coda triunfante do último, Vivace, sugerem a ideia de um desfecho vitorioso.


A música de Prokofiev não se pretende pictórica como a de Debussy – mas, certamente, também provoca nossa imaginação.


1. “Chaubrier, Mussorgsky, Palestrina, eis o que amo”. Chaubrier (1841-1894) foi um compositor francês que Debussy admirava por não seguir todas as regras do cânone composicional da época. Palestrina (1525?-1594) foi o principal compositor da Contra-Reforma, movimento encampado pela Igreja Católica no Renascimento.
2. O gamelão é um instrumento percussivo tradicional utilizado em conjuntos orquestrais na música javanesa e da Indonésia. Seu formato lembra, para nós, um xilofone.
3. Enquanto compunha Soirée dans Grenade (Noite em Granada), Debussy escreveu em uma carta: “se essa música não é exatamente o que se ouve em Granada – bem, tanto pior para Granada” (WALSH, Stephen. Debussy: A Painter in Sound. Faber & Faber, 2018, meio digital).
4. DAWES, Franck. Debussy: Música para Piano. Rio de Janeiro: Zahar, 1969,  p.15
5. MORRISON, Simon. The People’s Artists: Prokofiev’s Soviet Years. Oxford University Press, 2010, meio digital.
6. BERMAN, Boris. Prokofiev Piano’s Sonatas: A Guide for The Listener and the Performer. Yale University Press, 2008, meio digital)


Júlia Tygel é pianista e professora na Faculdade de Música

Souza Lima e na EaD da UFSCar. É doutora em música pela USP

com estágio na City University of New York como bolsista CAPES/Fulbright.