WOLFGANG AMADEUS MOZART [1756-91]
A Flauta Mágica, KV 620: Abertura [1791]
7 MIN
ROBERT FOBBES [1939]
Fantasia Sobre A Flauta Mágica [1985]
13 MIN
LEONARD BERNSTEIN [1918-90]
Halil [1981]
16 MIN
/INTERVALO
NIKOLAI RIMSKY-KORSAKOV [1844-1908]
Sheherazade, Op.35 [1888]
O MAR E O NAVIO DE SIMBAD
A NARRATIVA DO PRÍNCIPE KALANDAR
O JOVEM PRÍNCIPE E A JOVEM PRINCESA
A FESTA EM BAGDÁ. O MAR. NAUFRÁGIO DO NAVIO NAS ROCHAS.
42 MIN
O programa de hoje propõe uma viagem pelo Oriente, cheia de sortilégios e perigos: o Egito imaginário d’A Flauta Mágica, o Oriente Médio moderno e belicoso de Halil, a Pérsia encantada das Mil e Uma Noites.
MOZART
A Flauta Mágica, KV 620: Abertura
Em A Flauta Mágica, a mais deliciosamente “nonsense” das óperas de Mozart, a história de dois casais, um nobre e um plebeu, é narrada como conto de fadas. A flauta é o talismã que permite ao príncipe Tamino e sua amada Pamina passarem pelas provas do fogo e da água sem sofrerem qualquer consequência funesta. Muito já se falou sobre a antipatia que Mozart nutria pelo instrumento, mas a beleza dos solos que povoam a última ópera do mestre austríaco parece provar o contrário. É a flauta que sobrevoa todas as paisagens, e que conduz o herói (e o público) por terrenos minados.
A ópera se tornou célebre por reunir, em doses perfeitamente equilibradas, comédia, romance, aventura, intriga, suspense e conselhos edificantes. Na “Abertura”, que concentra todas essas qualidades em música borbulhante, sobressai também a simbologia maçônica. O número 3, eivado de significados místicos para os maçons, é evocado nos acordes dos metais do início e do meio da Abertura, e a tonalidade de Mi Bemol Maior neles estabelecida, com seus três bemóis na armadura de clave, enfatiza ainda a habitual conexão retórica com a divindade (um bemol para cada um: o Pai, o Filho e o Espírito Santo) e a relação com os ideais maçônicos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, assim como os três pilares de sua filosofia: Sabedoria, Força e Beleza.
FOBBES
Fantasia Sobre A Flauta Mágica
A Fantasia Sobre A Flauta Mágica, do maestro e compositor belga Robert Janssens, foi escrita como presente de aniversário para o flautista Marc Grauwels, seguindo a tradição das variações sobre temas de ópera, que foram extremamente populares no século XIX. Constitui uma vitrine para o flautista, ao selecionar todos os temas que o instrumento apresenta na ópera de Mozart para expandi-los e desenvolvê-los em variações ora líricas, ora virtuosísticas, que respeitam o estilo e a linguagem clássica do original. Um dado curioso sobre esta obra: como foi uma surpresa para o amigo, Janssens deixou a partitura na sua caixa de correio sob o nome fictício de Robert Fobbes. Foi sob esse pseudônimo que se tornou conhecida e acabou gravada por três flautistas diferentes.
BERNSTEIN
Halil
A Guerra do Yom Kippur, que em 1973 opôs uma coalização de Estados Árabes liderados por Egito e Síria contra Israel, teve quase 3.000 baixas israelenses. Uma dessas foi o talentoso flautista Yadin Tannenbaum, morto aos 19 anos no Canal de Suez. Halil (flauta, em hebraico) foi composta 8 anos depois, em sua memória. Bernstein era entusiasmado defensor de Israel, e um dos esteios da vida musical desse país, tendo sido grande incentivador da carreira de vários jovens músicos. Na página de rosto, ele esclarece: “Essa obra é dedicada ao espírito de Yadin e de seus irmãos que tombaram [...] Halil é formalmente diferente de qualquer obra escrita por mim, mas se assemelha a grande parte da minha música em sua luta entre forças tonais e não tonais. Nesse caso, eu sinto essa luta como envolvendo as guerras e as ameaças de guerra, o desejo avassalador de viver, o consolo da arte, amor e a esperança de paz. É uma espécie de Noturno, que, a partir da abertura dodecafônica até sua cadência final ambiguamente diatônica, é um contínuo conflito de imagens noturnas: sonhos imbuídos de desejos, pesadelos, repouso, insônia, terrores noturnos e o sono em si, irmão gêmeo da morte. Nunca conheci Yadin Tannenbaum, mas conheço seu espírito”.
A obra confronta a sonoridade da flauta solista, com toda a sua força elegíaca, a um implacável naipe de percussão. O piccolo e a flauta alto, no grupo orquestral, são como ecos distantes da voz do soldado sacrificado. O contraste entre o lirismo estabilizador da flauta e a agressividade pugnaz do grupo instrumental, assim como o conflito constante entre tonalidade e atonalidade, em que os dois sistemas alternam a função de âncora, simbolizam a brutalidade e a dor da guerra. Previsivelmente, no final, a voz da flauta é silenciada.
RIMSKY-KORSAKOV
Sheherazade, Op.35
A composição mais famosa do russo Nikolai Rimsky-Korsakov foi inspirada pela coleção As Mil e Uma Noites, que enfileira lendas e contos populares da Ásia e do Oriente Médio. Nesse livro famosíssimo, o sultão Shahryar, enlouquecido pela traição da primeira esposa, decide ter uma mulher a cada noite e matá-la na manhã seguinte. Ele só não contava com a esperteza de uma das noivas, Sheherazade. Antes de adormecerem, ela sugere ao soberano que escute uma história que irá embalar seus sonhos. Essa se completa apenas no dia seguinte, quando é emendada em outra, e depois mais outra. Ao cabo das mil e uma noites do título, Shahryar está completamente seduzido pela narrativa e pela esposa, e desiste de seu intento sinistro.
A Suíte Sinfônica de Rimsky-Korsakov evidentemente não pretende retratar essa longa e complexa trajetória passo a passo, mas sim se inspirar livremente nos ambientes e ideias da obra literária. Foi de um amigo do compositor o conselho de dar títulos para cada movimento, sugestão que Rimsky-Korsakov de início acatou, mas da qual viria a se arrepender, por achar que direcionavam excessivamente a imaginação do ouvinte. Depois da morte de Rimsky-Korsakov, a música serviu de base para um dos balés mais importantes do século passado, coreografado por Fokine e estrelado por Nijinsky.
Na Suíte Sinfônica, vários personagens, situações e elementos naturais se revelam musicalmente, como as ondas do mar, a dança dos dervixes, os metais que conclamam o povo para a guerra, as tempestades, a bonança, a fúria dos mares, as árvores e os pássaros. Os temas do Sultão — viril e brutal — e de Sheherazade — uma insinuante melodia de violino — são recorrentes, e no final da obra aparecem na mesma tonalidade e entrelaçados, uma maneira simples e efetiva de indicar o final feliz pelo qual todos torciam.
LAURA RÓNAI é doutora em música, responsável pela cadeira de
flauta transversal na UNIRIO e professora no programa de Pós-Graduação
em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.
Leia a entrevista com Emmanuel Pahud, realizada por Renato Roschel e flautistas da Osesp, aqui.